O trampolim
inexistente
Nunca escondi uma mania (um vício, uma obsessão) que sustenta
minha escrita. Não consigo começar a escrever — seja uma ficção, um ensaio, um
artigo para o jornal, o que for — sem antes anotar no alto da página a palavra
“nada”. Lembro-me do dia em que isso começou. Estava com uma gripe forte.
O desânimo e a apatia me dominavam. Ainda assim, precisava entregar um texto —
uma crônica — até o final daquele tarde.
Passei
muitas horas diante da tela em branco de meu primeiro computador. A tela me
hipnotizava. Sugava-me para seu interior, arrastava-me para seu centro
ausente, esvaziava-me. Eu precisava de um chão — assim como os nadadores,
que sem dispor de um trampolim, não podem dar seus saltos. Mas me faltava um
chão. Lembro que pensei: “Estou perdido. Os cozinheiros, pelo menos, têm suas
receitas, e os economistas, suas planilhas. Eu nada tenho”.
Foi então
que me ocorreu: esse “nada” era meu único consolo, era meu único ponto de
partida. Não tinha outro apoio, nada em que me amparar. Nada mesmo.
Foi aí que decidi a ele me agarrar e, julgando-me um pouco tolo, escrevi a
palavra “nada” no alto da página vazia. É difícil descrever o alívio que aquilo
produziu em mim. De repente, eu pisava em alguma coisa. Alguma coisa —
ainda que nada — me sustentava. Um nada, que nada é, ainda assim se oferecia
como algo que era só meu. E um escritor, para começar, precisa desse sentimento
de que só ele, e mais ninguém, possui algo, por mais insignificante ou
ridículo que seja, ou não conseguirá escrever.
Logo
depois, em um jato, escrevi minha crônica. De tal modo me agarrei àquela
palavra mágica, “nada”, que já não me recordo que crônica escrevi. A crônica
era o que menos importava. Como se um atleta olímpico, depois de um salto
ornamental, declarasse: “O salto foi medíocre. Mas de que trampolim eu
saltei!”. Desde então, começar meus textos com a palavra “nada” se transformou
em um ritual. Algumas vezes, constrangido, eu me pego anotando-a no alto
da lista de supermercado, ou da agenda semanal. Nada é meu trampolim. É meu
solo. Sem nada não sou ninguém. (...)
(Castello, José. Caderno Prosa&Verso. Junho de 2012)
Agora vamos estender o nosso BOM DIA a Cuiabá, Mato Grosso, Brasil e ao Mundo que neste momento esta precisando muito de um BOM DIA. Professora Aurelina Haydee do Carmo
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